O que é a fome, e porquê nós ficamos famintos? A apresentação de J. Stanton no AHS 2012, com Slides

 O texto abaixo é uma transcrição da apresentação feita por J. Stanton no Simpósio de Saúde Ancestral de 2012, e é uma excelente explicação sobre a ciência da fome. Passando a palavra ao autor:

por J. Stanton

A resposta à versão escrita da minha apresentação do AHS 2013 (Simpósio de Saúde Ancestral)  tem sido extremamente positiva. Baseando em número de visitas, o número de pessoas dispostas a ler meu trabalho excede em muito o número de pessoas dispostas a vê-lo em vídeos!

Portanto, eu apresento o texto completo de minha apresentação ao 2012 Ancestral Health Symposium (Simpósio de Saúde Ancestral 2012) —com slides. (O original vídeo original está aqui.)

Este é um de meus melhores trabalhos. Ele dá uma base teórica e prática para o entendimento da fome — um entendimento infelizmente obscurecido por simplificações em demasiadas e moralização do tema, tanto vindas de cientistas quanto de políticos. Isto sem dúvida é infeliz porque a ciência da fome está bem estabelecida, não é complicada, e é condizente com a experiência do mundo real.

Os objetivos da apresentação são:

Após o final da apresentação, os participantes estarão aptos a:

  • Enumerar e entender os processos mentais e físicos que interagem para produzir fome.
  • Descrever como uma dieta e um comportamento diferentes do normal do ponto de vista da evolução podem causar sinais de fome inapropriados.
  • Entender algumas de suas questões pessoais quanto à fome, e/ou investigar mais por conta própria sobre o tema.

Introdução

(O que é a fome e porque nós estamos famintos?)

Olá. Eu sou J. Stanton, do site gnolls.org.

Pessoas não ficam obesas porque elas gostam de ficar obesas, e dietas não dão errado porque pessoas não gostam de ser magras e saudáveis. Dietas dão errado porque a fome sobrepuja nossas outras motivações.

(Obesidade extrema, em % da população adulta; Obesidade, em % da população adultaObesidade em % da população de pessoas entre 2 e 19 anos de idade)

Houve um ponto de inflexão por volta de 1980. O quê aconteceu? A explicação padrão é que pessoas gordas são simplesmente gulosas e preguiçosas, então:

FALHA MORAL EM ESCALA NACIONAL?

Bem, talvez não…

A INVENÇÃO DA JUNK FOOD? (“Comida lixo”)

Também é popular culpar a junk food…

Datas de invenção de junk foods específicas

Isso foi o suficiente sobre essa ideia.

A INVENÇÃO DO FAST FOOD?

Ultimamente tem se tornado popular culpar o fast food…

(Comida consumida fora de casa em % dos gastos com alimentação; Comida tipo fast food consumida em % dos gastos com alimentaçãoObesidade extrema, em % da população adulta; Obesidade, em % da população adultaObesidade em % da população de pessoas entre 2 e 19 anos de idade)

Mas os dados também não sustentam essa visão.

(A linha azul é relativa à comida consumida fora de casa, e a vermelha é a de fast food… e podemos ver que o aumento no consumo de fast food desacelerou durante meados dos anos 1970, logo antes da disparada dos índices de obesidade.)

Nota do autor: Eu fui especificamente acusado de não interpretar bem esses dados. Esta é uma acusação séria— então me deixem demonstrar que minha interpretação está correta. Vamos comparar os períodos de tempo de 1962 (o primeiro ano que temos dados sobre a obesidade) até 1979, e de 1980 até 2008 (o último ano que temos dados sobre a obesidade).

1962-1979

  • 0,51% por ano de aumento em fast food, como % do total gasto em alimentação
  • 0,09% por ano de aumento de aumento na obesidade em adultos
  • 0,03% por ano de aumento no índice de obesidade extrema
  • 0,08% por ano de aumento na obesidade infantil
    (Dados sobre a obesidade infantil começam de 1966, e o índice é ajustado para o período menor.)

1980-2008

  • 0,23% por ano de aumento no consumo de fast food como % do total gasto em alimentação—menos que a metade do índice durante 1962-1979
  • 0,67% por ano de aumento na obesidade em adultos—7,4x  índice durante 1962-1979
  • 0,16% por ano de aumento na obesidade extrema—5,3x índice durante 1962-1979
  • 0,39% por ano de aumento na obesidade infantil—4,9x índice durante 1962-1979

Minha interpretação dos dados se mantém.

Porque não podemos simplesmente culpar “Palatabilidade” ou “Recompensa”

Agora antes de explicar a ciência da fome, existe um modelo simples e sedutor, que está errado—e se cairmos nele, nós teremos cometido um erro lógico do qual jamais poderemos nos recuperar. Este erro é: a comida tem uma propriedade chamada de “Palatabilidade” ou “Recompensa”, que nos faz comê-la. Então, se uma comida tiver muita palatabilidade—ela é “hiperpalatável”—nós a comeremos em excesso e engordaremos.

Primeiro, conforme já discutimos, essa hipótese não se ajusta aos dados.

O segundo problema é que palatabilidade é como pornografia. Todos nós a reconhecemos—mas aparentemente não conseguimos dar a ela uma definição rigorosa.

Por exemplo, porque diferentes povos gostam de comidas diferentes? Centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo acham as comidas acima deliciosas. Porque existem doze tipos diferentes de molhos para as minhas asas de frango? 31 sabores de sorvete? É porque, assim como a pornografia, palatabilidade é subjetiva. É uma propriedade que nós damos a comida.

O segundo problema é: porque nós paramos de comer? Todos os biscoitos tem exatamente o mesmo gosto… porém, em algum momento, nós não queremos mais nenhum deles. Não foi o biscoito que mudou: fomos nós.

O terceiro problema é que as comidas que nós comemos em excesso muitas vezes não são aquelas que têm o melhor gosto—o dilema clássico sendo “Eu gosto de costela muito mais do que de batata Pringles…mas não consigo parar de comer a batata. Por quê não?” Pessoas que fazem dieta com poucos carboidratos entendem isso: “Sua comida na verdade não é recompensadora…somente parece que é.”

A bagunça da palatabilidade

Então: o que acontece agora nesse modelo tolo é que dão um passo para bagunçar um pouco as coisas. O modelo redefine palatabilidade como “aquilo que não conseguimos para de comer”. (Ou a substitui pelo termo genérico “recompensa”.)

Em outras palavras, “Nós comemos em excesso aquilo que comemos em excesso… por que esta comida é comestível em excesso.”

Claro, se estivéssemos pedindo fundos, usaríamos o termo “obesogênico”. E com esse pequeno passo, acabamos de ignorar toda a ciência da fome.

Agora. Eu estou chutando um cachorro morto por um bom motivo, que assim como as teorias do flogisto, geração espontânea, e do éter luminífero, é um erro que previne totalmente o entendimento da fome. De novo:

Palatabilidade e recompensa são propriedades subjetivas que nós damos à comida baseados em nossa experiência prévia, e nosso estado metabólico e nutricional atual.

O que é a fome?

Então: o que é fome?

na verdade existe um grande corpo de ciência estabelecida aqui, Eu facilmente poderia dar um curso semestral, mas pedi quarenta minutos, e me deram vinte—então eu farei o melhor possível.

A fome não é uma motivação singular. Ela é a interação de quatro processos diferentes, todos clinicamente mensuráveis, e bioquimicamente distintos entre si:

  •       Saciedade: O estado nutricional e metabólico de nosso corpo.
    • Saciação: Uma estimativa de nossa saciedade futura, baseada na experiência sensória e cognitiva do comer.
    • Impacto hedônico (“gostos”): O prazer que temos ao realizar um ato.  “Palatabilidade” é o impacto hedônico da comida.
    • Incentivo saliente (“desejos”): Nossa real motivação para obter algo de que “gostamos”. É principalmente, mas não exclusivamente, um produto das outras três motivações.

    Outros dois fatores interagem com a fome para modelar nosso consumo de comida:

    • Disponibilidade: O quão difícil é conseguir algo que desejamos.
    • Força de vontade: A rejeição consciente da ação do encéfalo frontal, conhecida como “função executiva”.

    Disponibilidade e Força de vontade

    Vamos falar sobre disponibilidade por enquanto. Mesmo que nós preferirmos uma costela de primeira a restos, nós comemos os restos porque eles estão disponíveis para nós. Se eu quiser a costela, eu gastaria três horas e uma ida ao supermercado, ou 40 dólares e uma ida ao restaurante. Por outro lado, nós não temos que querer muito guloseimas, porque tudo o que temos de fazer é abrir o pacote.

    Elas não são hiperpalatáveis — elas são hiperdisponíveis.

    O sistema de recompensa—Impacto hedônico (“Gostos”) e Incentivos Salientes (“Desejos”)

    • Impacto hedônico (“gostos”): O prazer que temos ao realizar um ato.  “Palatabilidade” é o impacto hedônico da comida.
    • Incentivo saliente (“desejos”): Nossa real motivação para obter algo de que “gostamos”. É principalmente, mas não exclusivamente, um produto das outras três motivações.
    • Incentivos não limitados à comida! O sistema de recompensa é subjacente a todas as nossas motivações.
    • Leitura recomendada: O trabalho do dr. Kent Berridge

    O meu tempo não me permite explorar a bioquímica e a neurociência do sistema de recompensa— então, para mais detalhes, eu recomendo o trabalho pioneiro do dr.Kent Berridge, cujo trabalho eu tive o orgulho de apresentar à comunidade em julho ( ie. julho de 2012) [nesta série de artigos, começando por este. Referências também estão disponibilizadas em minha bibliografia. -JS] Algumas notas rápidas:

    É importante saber que gostos e desejos não estão limitados à comida. Qualquer experiência da qual gostamos — que tem impacto hedônico—é capaz de produzir um “desejo” por mais—incentivo saliente.

    Também é importante notar que aquilo que é coloquialmente chamado de “recompensa” é uma mistura de impacto hedônico com incentivo saliente. Ambas variam independentemente, e ambas são propriedades subjetivas—então o termo “recompensa da comida”, que implica em uma propriedade singular da própria comida, é intrinsecamente confuso —porque ele nos leva diretamente de volta a confusão cognitiva do modelo comum.

    Mas se o gostar e o desejar são subjetivos, o que os determina? Sim, o gosto é uma parte, mas a questão mais interessante não é por que comemos: é por que nós não conseguimos parar de comer.

    E então nós vamos para a saciação e a saciedade.

    Saciação e Saciedade

       Saciedade: O estado nutricional e metabólico de nosso corpo.

    • Saciação: Uma estimativa de nossa saciedade futura, baseada na experiência sensória e cognitiva do comer.

    Dois exemplos rápidos: Você acabou de sair de uma churrascaria com comida à vontade. O quê tem gosto bom para você neste instante?

    Quase nada.

    Agora se você acabou de trilhar por 25 quilômetros através de montanhas com uma mochila de 18 quilos, aquela lasanha velha vai ser a melhor coisa que você já comeu na vida.

    De novo, a comida não mudou—mas de algum modo seu impacto hedônico, o quanto nós gostamos dela— e, logo, seu incentivo saliente, o quanto nós a queremos—mudou.

    Pois bem. Saciação e saciedade são sinônimos em seu uso comum: como então distinguimos uma da outra? A resposta está no tempo de trânsito gastrointestinal: demora horas para que os nutrientes na comida sejam digeridos e absorvidos, o que significa que a saciedade não é um sinal útil para pararmos de comer.

    (A parte abaixo foi retirada a apresentação, mas o autor a reproduziu aqui pois considerava seus conceitos importantes, então ele a incluiu aqui.)

    Além disso, nós devemos distinguir dois tipos de saciação: positiva e negativa. Quando comemos comida de verdade, nós somos recompensados duplamente: pelo prazer de comer, e novamente pelo prazer da saciação e da saciedade positivas.

    Em contraste, a saciação negativa é aquele sentimento ruim que sentimos quando comemos muitas calorias vazias. É o meio do nosso corpo de nos dizer que “Nós não aguentamos mais disso”. Então nós temos um prazer rápido, ou de impacto hedônico, ao comer coisas gostosas mas nutricionalmente vazias —mas ela acaba no instante em que o doce é deglutido, e nós nunca recebemos o impacto da saciação e da saciedade positivas que nos diz: “Pronto, pode parar de comer agora.”

    E a cada mordida de calorias vazias, não somente nós recebemos menos e menos prazer—nós fazemos com que seja mais difícil conquistar os prazeres da saciedade e da saciação positivas.

    Além disso, porque a saciação é a experiência sensória do ato de comer, ela pode ser enganada. É bem sabido que:

    • Pessoas comem mais em grupos do que quando estão sozinhas
    • Pessoas comem mais quando elas conseguem comer mais rapidamente
    • Calorias ocultas “pré-consumidas” nunca são totalmente compensadas [NT. isto é se alguém consumir uma quantidade de calorias sem saber, ela comerá menos, mas não na mesma quantidade do número de calorias ingeridas]

    Porém, a falha da fibra na dieta em alterar a massa corporal ou a quantidade de gordura em intervenções controladas (Papathanasopoulos 2010) sugere que fingir uma saciação com um volume indigestível não é uma estratégia útil a longo prazo para a perda de peso. Você pode enganar a saciação, mas não pode enganar a saciedade.

    Saciedade

    E a saciedade é a chave para entendermos a fome, porque, como vimos:

    • Saciação é somente uma estimativa da saciedade futura, baseada na experiência sensória e cognitiva do ato do ato de comer.
    • Tanto nossos gostos quanto nossos desejos são muito fortemente modulados pela saciação e pela saciedade.

    Se nós fizermos um experimento em que sentamos adolescentes na praça de alimentação do shopping center e deixarmos eles comerem o quanto quiserem por uma hora, descobriremos que as crianças magras comem uma quantidade enorme de comida—quase tanto quanto as crianças obesas. (Ebbeling 2004) Em outras palavras, ambos grupos querem a mesmas quantidade de comida. A diferença é que as crianças magras compensam ao não comer durante o resto do dia, mas as obesas não. E isso sugere fortemente que a obesidade é primordialmente uma falha da saciedade.

    Então: estamos claramente convergindo para um modelo nutricional da fome, porque esta é a definição de saciedade. Vamos explorar um pouco das evidências.

    Nós podemos começar perguntando o óbvio: “Para o que mais a fome poderia servir?” Qualquer tipo de animal cujas percepções errôneas fizessem com que ele se tornasse obeso, enfraquecido, malnutrido ou envenenado sofreria um fortíssima pressão evolutiva contra ele.

    Andando com a ciência: receptores de gosto não estão localizados somente em nossas línguas—eles existem em outras partes de nossos corpos. (Steinert 2011, Iwatsuki 2012) Em nossos intestinos. eles modulam a liberação de hormônios da saciedade como a Colecistocinina, Neuropeptídio Y, Peptídio Vasoativo Intestinal, e o Peptído-1 semelhante ao glucagon. No pâncreas, eles modulam a liberação de insulina, entre outros sistemas… e esses efeitos são tão poderosos que:

    “…os efeitos pós absorção da glicose são suficientes para causar mudanças comportamentais e relacionadas à dopamina que resultam do consumo de açúcar.” (Oliveira-Maia 2011)

    [Em outras palavras, você pode injetar açúcar em um rato e obter a “recompensa relacionada à comida” …mesmo se rato nunca tiver provado o açúcar. Ver também de Araujo 2008, Ren 2010, Oliveira-Maia 2012. -JS]

    Sim, a saciedade é recompensadora por si só… então ao comermos comida que não produz saciedade, você estará correndo atrás de uma recompensa que nunca virá. Isto lhe soa familiar?

    Nossas papilas gustativas produzem e respondem a hormônios da saciedade (Shin 2010)…que diretamente alteram a percepção do gosto. Então pode não ser a sua imaginação que comida não tenha um gosto tão bom quando você estiver saciado.

    Existem receptores de opióides nas paredes de nossa veia porta hepática (Duraffourd 2012)… e eles não estão lá porque o seu fígado quer ficar doidão. Eles são sensores de proteína—eles se ligam a pedaços de proteína recém digeridos.

    Então, agora que eu te convenci que um modelo nutricional de saciedade e fome é tanto biologicamente quanto evolucionalmente plausível, me deixe revisar um pouco da evidência experimental.

    • Os obesos tendem a ser deficientes em diversos micronutrientes: ferro, cálcio, zinco, vitamina A, vitamina C, vitamina D, vitamina E, vitaminas K, B1, B2, B12, ácido fólico. (Leão 2012, García 2009, Xanthakos 2009, Kaidar-Person 2009)

    Mas como isso são dados associativos [NT. ou seja, correlação não implica causalidade], vamos falar um pouco sobre algumas intervenções:

    • Alavancagem proteica. Animais desde  ratos até pessoas tendem a comer até que eles tenham ingerido uma quantidade de proteína suficiente para suas necessidades diárias.
    • Mulheres que receberam multivitamínicos perdem peso e massa adiposa: mulheres que receberam placebo, não. (Li 2010)
    • Se as calorias forem mantidas iguais, o peso e a gordura permanecem iguais, mas o grupo que recebeu placebo sentiu mais fome que o grupo que recebeu o multivitamínico. (Major 2008)
    • Suplementos de cálcio e vitamina D podem por si sós causar uma perda de peso corporal e de massa adiposa, mas SOMENTE se você estiver deficiente em cálcio. (Major 2009)

    E aqui vai o arrasa-quarteirão, cortesias dos pioneiros nutricionais Dr. Donald Davis e Dr. Roger Williams:

    Alimente ratos com uma dieta humana plausível. Não uma “dieta de cafeteria”, não uma “dieta de alto índice de gordura”, uma dieta de comida de verdade. Carne, farinha, ovos, vegetais e frutas, tudo misturado até ficar uniforme. Divida-os em dois grupos, suplemente um com uma grande lista de vitaminas, minerais e outros micronutrientes, deixe-os comer a vontade.

    Então, após várias semanas, dê a ambos grupos acesso livre a açúcar em grãos por um dia inteiro.

    Os ratos não suplementados—comendo uma dieta plausível de comidas integrais de carne, farinha, ovos, vegetais e frutas a—consumiram 67% mais açúcar que os ratos suplementados. (Davis 1976)

    Uau.

    E isso é algo que não podemos de maneira alguma explicar pelo modelo da palatabilidade. O açúcar não mudou… a dieta não mudou. A única diferença é o conteúdo de micronutrientes.

    Então: a saciedade modula a recompensa

    …e o consumo de “junk food” é um círculo vicioso. Quanto mais calorias vazias você comer, mais se viciará em calorias vazias.

    Porque é criticamente importante entender a fome

    O problema com a popularizar para o consumo das massas é que podemos simplificar um conceito até que ele deixe de representar a verdade. Neste processo de supersimplificação, conceitos também se tornam politizados —e o modelo tolo, em que a palatabilidade é uma propriedade da comida que causa obesidade, está sendo usado para ressuscitar a hipótese dietária das doenças cardíacas.

    A história é mais ou menos assim:

    Você não está gordo, doente e diabético porque nós te mandamos comer as comidas erradas por 35 anos! Essas sobras gigantescas de milho, soja e trigo que nós criamos por uma política agrícola que subsidia a monocultura baseada em produtos químicos colocados em comida de passarinho geneticamente modificada por corporações multinacionais são uma completa coincidência. E nossos éditos dietários, desde a original “Dietary Guidelines for Americans” passando pela a Pirâmide Alimentar até o “Food Plate” não são somente desculpas para te transformar em uma unidade de descarte de grãos voluntária—e que consequentemente requer doses heroicas de remédios patenteados e altamente rentáveis para te manter vivo. Não, não, não.

    Este NÃO é o problema. Não preste atenção nos 500 bilhões de dólares de renda atrás da cortina.

    Você é o problema, por que VOCÊ FEZ TUDO ERRADO.

    Você não comeu aqueles pães duros, amargos de grãos integrais que mandamos você comer. Você tem colocado sal e manteiga em seus vegetais. Você colocou molho para saladas em suas saladas. Você tem comido comidas que tem um gosto bom, e não os grãos integrais duros, sem gosto e sem gordura que mandamos você comer.

    Mas tudo bem. Não é realmente sua culpa. Nós sabemos que você é fraco e estúpido e não é confiável para tomar suas próprias decisões. A culpa é daquelas corporações malignas que fazem comidas gostosas demais, e você simplesmente não consegue resistir. Então nós vamos te salvar.

    Nós vamos cobrar mais impostos no açúcar! Porque do mesmo jeito que impostos sobre bebidas alcoólicas nos fez parar de beber, cobrar impostos no açúcar vai nos fazer parar de beber refrigerantes e comer doces.

    Esta é a nova história. E existem pessoas flertando com essa ideia.

    E é por isso que devemos entender a verdadeira ciência da fome.

    Primeiro, por que nós literalmente não podemos aguentar mais 35 anos da epidemia de obesidade que irá quebrar o sistema público de saúde, ou nosso governo, e nós.

    Mas muito mais importante que isso é o custo em termos de vidas humanas e sofrimento humano que será incalculável. Milhões irão sofrer terrivelmente e morrer sem qualquer necessidade. Você já foi a um asilo barato ultimamente? É uma realidade feia.

    Porém! Existem notícias boas, que são que a ciência da fome não é complicada—e se eu tiver feito meu trabalho aqui, vocês agora têm informação suficiente para entender os conceitos e descobrir como a ciência da fome se aplica para você, e suas questões relativas à alimentação. E eu desafio cada um de vocês—individualmente e coletivamente—a seguir o caminho da ciência, e não o caminho da política.

    Então eu vou terminar com alguns pontos importantes.

    Pontos

    • A fome não existe para nos engordar. Ela existe para nos manter vivos.
    • A fome é a interação de quatro motivações neurológicas e bioquímicas distintas: gostos, desejos, saciação e saciedade.
    • Nosso desejo de consumir comidas é modulado pela disponibilidade e pela força de vontade.
    • Células e órgãos ao longo de nossos corpos têm várias papilas gustativas e receptores de nutrientes que sentem os ambientes externo e interno. Em resposta, eles mandam ordens hormonais e neurais para a manutenção de um ambiente que nos mantêm vivos e funcionais. Estas homeostases definem nosso estado nutricional e metabólico—nossa “saciedade”.
    • “Palatabilidade” e “recompensa” não são propriedades da comida. Nossos gostos e vontades são propriedades subjetivas que damos à comida baseados em nossas experiências, e nosso atual estado de saciação e saciedade. (Lembre-se dos ratos).
    • Nosso consumo de comida é primariamente determinado pela capacidade desta comida de gerar saciação e saciedade, não de seu impacto hedônico.

    Conclusões

    • A obesidade é primordialmente uma falha da saciedade.
    • Sua mãe estava correta. O problema não é a “hiperpalatabilidade”: são as calorias vazias.

    Eu sou J. Stanton, do site gnolls.org. Obrigado.

    (Minha bibliografia está disponível aqui).


    Deixem me ser claro: Este é o melhor modelo teórico e empírico que atualmente temos para entender a fome. Qualquer conceito ou fenômeno que estivermos tendo dificuldade com, pode ser reduzido em seus efeitos às quatro motivações (gostos, desejos, saciação e saciedade) e aos dois fatores modificantes (disponibilidade e força de vontade)…e qualquer hipótese que juntam pula, ou supersimplifica elas (ie. trata a “recompensa” como uma propriedade da comida) vai inevitavelmente produzir contradições, confusão e não contribuirá para o progresso em nosso objetivo de termos uma saúde melhor.

    Eu convido meus leitores a analisar suas próprias observações quanto à fome usando este modelo!

    Viva em paz, viva o belo.

    JS

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3 respostas para O que é a fome, e porquê nós ficamos famintos? A apresentação de J. Stanton no AHS 2012, com Slides

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  2. Diego disse:

    Caralho, este é o artigo mais foda sobre obesidade que eu já vi na vida, meu Deus. Muito obrigado por trazer algo tão esclarecedor de graça para nós.

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